Quando busco no Google “Coisas materiais têm importância para Deus?” encontro mais de 20 milhões de resultados. Alguns sites (confissão: não chequei todos eles) alertam para os perigos que as coisas materiais representam para nosso relacionamento com Deus: “seja espiritual e não caia em preocupações mundanas”. Outros alegam oferecer o segredo da prosperidade material, geralmente mediante o pagamento de uma taxa. Parece que os cristãos estão extremamente confusos se as coisas que pensamos que possuímos, o mundo natural e até nossos corpos são, em sua essência, bons ou não.
Essa confusão surgiu, em boa parte, porque o pensamento cristão ocidental foi comprometido pelo conceito não-bíblico da filosofia grega: a separação entre corpo, alma, material e espiritual. Ainda que citemos “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas” (Colossenses 3.2), a verdade é que passamos a vida buscando e quase adorando coisas materiais – casas e carros bonitos, boa comida, pessoas de boa aparência, igrejas confortáveis. Os resultados são desastrosos assim para nosso mundo como para nosso relacionamento com Deus. A crença de que coisas materiais não importam nos divorcia dos constantes lembretes bíblicos de que nossas atitudes e práticas com relação a posses, pessoas, outras criaturas e a terra que habitamos estão no coração de nossa relação com Deus.
Certamente, Gênesis é claro. Tudo o que Deus fez, tanto escuridão como luz, tanto peixes como frangos, montanhas, pântanos, vermes (presumo!) e eu, são todos bons. Se colocarmos todos juntos, em sua totalidade são “muito bons”. A matéria realmente tem importância para Deus, tanto que ele a criou em enorme quantidade. Em milhões de variedades. Como disse acertadamente (ainda que metaforicamente) o cientista ateu J. B. Haldane: Deus tem “um afeto impressionante por besouros”. Afinal, ele criou pelo menos 400 mil espécies.
Coisas materiais foram feitas para serem celebradas e valorizadas. Não foram almas desencarnadas que foram “feitas de um modo assombroso e tão maravilhoso”; foram nossos corpos físicos (Salmo 139.14). Deus fez pessoas inteiras, não almas, como coloca Tom Wright. Jesus não nos disse para contemplar questões filosóficas. Ele nos encorajou a estudar os pássaros e as flores para entender o Reino de Deus (Mateus 6.25-34). De fato, a matéria importa tanto para Deus que em Jesus ele entrou em sua criação material. Jesus, Deus conosco, é o maior “Sim!” possível para a vida física, de carne e osso, tanto humana como animal.
Veja Jó: um homem que tinha tudo, materialmente falando, e perdeu tudo, inclusive família e saúde. Como Deus respondeu à sua raiva e questionamentos? Não foi dizendo-lhe para ser mais espiritual, ou para contemplar a felicidade que receberia após a morte. Deus o fez olhar mais de perto para o mundo biofísico ao redor. Ironicamente, o problema de Jó foi não ter dado importância suficiente para as coisas materiais, especificamente o mundo natural não humano. Seu mundo havia sido centrado nele mesmo. Foi em meio ao selvagem, ao mistério e à majestade da natureza indomada, em reconhecimento que este mundo não é para nós, mas é no senso mais profundo para Deus, que Jó começou a juntar as peças novamente.
E quanto a nós? Se tentarmos fazer de conta que a matéria não importa, caímos em um materialismo inconsciente, tratamos a Terra de Deus sem o respeito com que Deus a trata, deixamos de adorar a Deus com todo o nosso ser e deixamos de desfrutar as bênçãos materiais de Deus – que não são encontradas em possuir, mas em desfrutar, receber e compartilhar o presente da criação. Então, da próxima vez que você precisar de terapia material, fique longe do shopping. Leia o Salmo 104 e saia para mergulhar na maravilha da criação de Deus.
Tradução: Juliana Pereira
Revisão: Sabrina Visigalli